domingo, 4 de junho de 2017

Trilhos seculares - De Vilarinho às Casarotas, um passeio pelos amores proibidos de Rogélio Pardo


Despertar no Campo do Gerês e uma manhã de Domingo para gastar. O que fazer? Porque não um passeio às Casarotas e revisitar o local do amor proibido de Rogélio Pardo e Alda, do romance "Rio Homem" de André Gago.

A subida desde a Barragem de Vilarinho das Furnas pelo Peito de Gemesura é uma prova de resistência e uma experiência metafórica nela própria. Ao enfrentar a serra voltando costas à barragem que martirizou Vilarinho da Furna, estamos consciente ou inconscientemente a colocar-nos lado a lado com a eterna luta de um povo. Podemos não saber a razão e desconhecer a história, mas os ecos que escutamos e o vento que por ali uiva, são os gritos seculares de Vilarinho e das suas gentes. Estes são ecos que sempre irão povoar a montanha, pois ali respira-se a tristeza e a mágoa de dias submersos ao som das pequenas ondas que fustigam as margens negras de Vilarinho. Assim, Vilarinho é o princípio da revolução que anos mais tarde iria varrer Portugal; Vilarinho, inconformada, é a antítese de um país que se deixou subjugar...

Seguindo o traçado da Grande Rota 34 (GR 34), chegamos ao Alto de Gemesura debruçado sobre o local onde Vilarinho da Furna pulsava de vida. Hoje, vemos um manto de água negra, profunda e disforme. Se o Alto é um objectivo em si, o resto da caminhada até à Chã do Sagueiral é um exercício de sacrifício. 



Finalmente chegado às Casarotas, a impressão inicial submerge-nos num tempo abandonado por entre construções em ruínas. O mistério e o debate sobre a função destes abrigos de montanha mantém-se nos nossos dias. Citado na obra "O Gerês - De Bouro a Barroso", de Rosa Fernanda Moreira da Silva, Jorge Dias refere "(...) haver uma relação com as cabanas dos pastores e talvez fosse conduzir a uma curiosa solução, que traria também um elemento de grande interesse para a Etnografia. Poderia ser uma antiga branda dos pastores de Vilarinho. Uma branda há séculos abandonada, porque os habitantes da região descobriram uma maneira mais cómoda de aproveitar as pastagens altas, mediante uma organização colectiva, em que dois pastores substituídos diariamente por outros dois, à vez por todos os vizinhos, só precisam de passar uma noite na serra, para que lhes basta uma cabana em cada local de pernoita. Parece-me esta a hipótese mais plausível, mas, como disse, só depois de se fazerem escavações teremos talvez a solução" (in, "As Casarotas na Serra Amarela - construções megalíticas com uma inscrição" - 1946).

Assim, segundo Jorge Dias, as casarotas teriam uma função relacionada com a pastorícia na Serra Amarela. Porém, Rosa Fernanda Moreira da Silva tem outra interpretação para a função destas peculiares construções. Na página n.º 90 da sua citada obra lê-se "Somos de opinião que as Casarotas foram um dos elementos da célula defensiva das Portelas que, além dessas pequenas construções incluía, pelo lado Norte, uma pequena Trincheira, com o comprimentos de algumas dezenas de metros. Estes elementos estão estrategicamente localizados numa rechã inacessível do lado nascente. Mas perfeitamente enquadrados em relação às restantes edificações defensivas do vale do Homem, ou seja, as Casas do Facho, das Peças e da Guarda. De acordo com os argumentos apresentados as Casarotas foram um dos elementos da célula defensiva da Portela da Serra Amarela. Entretanto, seria muito enriquecedora a concretização de estudos sobre esta temática que, ao alargarem a análise temporal, poderiam contribuir para o equacionar de novas teorias sobre o passado."



É fabulosa esta discussão enriquecedora sobre os objectivos destas construções na Serra Amarela. Sem dúvida que a sua visitação nos trás as mais dispersas teorias e faz-nos imaginar a vivência e a adaptação dos povos serranos às dificuldades e agruras da vida na montanha. Infelizmente, como já referi, é pena o estado de ruína (e avançada ruína) de alguns dos elementos que no entanto não retiram a beleza e mística de todo o conjunto.

Em "Rio Homem", André Gago relata a jornada de Rogélio Pardo e Alda até aquele local num dia de calor. Refugiando-se no interior de uma daquelas construções, os dois irão consumar um amor há muito desejado nas páginas do livro. Assim, por entre o silêncio e o vento cinematográfico que percorre aquelas alturas, podemos imaginar esta passagem do romancista.

Após permanecer por longos minutos em contemplação daquele local, acabaria por regressar à barragem seguindo o percurso em sentido inverso.

Algumas fotos da jornada...














Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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